A poluição das cidades é um dos grandes problemas pós-revolução industrial que o mundo tem que enfrentar. Cada vez mais os índices de gases causadores do efeito estufa aumentam na atmosfera, como metano e dióxido de carbono, o que provoca aumento global de temperatura e também doenças como asma, bronquite e até mesmo câncer de pulmão em pessoas que vivem em grandes áreas metropolitanas. Em terras brasileiras, a maior cidade do país também é sinônimo de poluição há décadas… É nítido que São Paulo sofre com uma péssima qualidade do ar, porém segundo o pesquisador Paulo Sadiva (USP e Harvad), este cenário está começando a mudar.
Considerado um dos principais especialistas em poluição em todo o mundo, Sadiva defende ações que estão sendo aplicadas em São Paulo, como as ciclovias por toda a cidade. O pesquisador que divide seu tempo entre Brasil e EUA é um praticante do ciclismo e defende seu uso para aliviar a questão da poluição e também em virtude da saúde da pessoa.
“Estou com 61 anos e comparo meu estado de saúde com o dos meus pares na medicina, que andam nos seus Audis, Mercedes, etc. Minha conclusão é que ou o Audi faz muito mal ou a bicicleta realmente faz bem. Mas, falando sério, se você tiver um medidor de frequência cardíaca, fica fácil perceber os benefícios fisiológicos imediatos do ciclismo para o coração. Além disso, a bicicleta fortalece os grupos musculares das pernas e da bacia, que são muito importantes para você ter autonomia quando ficar mais velho. É essa musculatura que permite ao idoso caminhar sem tropeçar”, complementa Sadiva.
Paulo se baseia em pesquisas médicas ao defender o ciclismo como saída para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem em cidades contaminadas com altos índices de poluição. “Existem vários estudos médicos mostrando que o ciclismo, mesmo não profissional, aquele em que o indivíduo anda uma hora por dia, gera um aumento de expectativa de vida considerável. E a saúde não melhora só no aspecto cardiovascular e ortopédico, mas principalmente no mental”.
Mobilidade urbana em São Paulo
Para o especialista, as medidas de mobilidade urbana que estão sendo implementadas em São Paulo nos últimos anos representam um grande avanço quando relacionamos poluição e saúde. “Todos os estudos realizados no mundo indicam que o estímulo à mobilidade ativa tem um impacto positivo para a saúde, expressos em termos de redução das taxas de obesidade e melhoria da qualidade de vida. Além disso, a redução de carros nas ruas melhoraria o clima e reduziria a poluição, que é minha especialidade. Hoje, numa cidade como São Paulo, quando a umidade do ar baixa 30%, o risco de um idoso morrer de enfarte aumenta quatro vezes, por causa da poluição”.
Sadiva lamenta apenas que a questão partidária acaba atrapalhando a visão das pessoas que não conseguem enxergar os benefícios do ciclismo na cidade, porém mesmo assim vê com bons olhos o que vem sendo feito na maior cidade do Brasil. “Como ciclista há mais de 40 anos, sinto-me hoje muito mais seguro em fazer os meus deslocamentos, e isso acaba beneficiando todo mundo. Infelizmente, o debate atual sobre mobilidade e saúde na cidade está muito pobre e muito contaminado pelo quadro macropolítico do Brasil”.
São Paulo: uma cidade que se acostumou com o fluxo de veículos
“Em São Paulo, até as calçadas são projetadas para o carro não sofrer tranco no caminho para a garagem. O tempo da faixa de pedestre é controlado de forma que o fluxo dos carros seja maximizado. Eu disse ao antigo diretor da CET (Companhia de Engenharia do Tráfego) que eles podem mudar o nome para Companhia de Extermínio de Transeuntes”, desabafa.
Paulo lembra que todo ano vai pesquisar na escola de saúde pública da Harvard, nos Estados Unidos. E garante que lá é o contrário. “Se eu quiser ir de carro, vou ter que pagar caro, porque Harvard não considera sua obrigação oferecer estacionamento. E o que é paradoxal nessa opção brasileira pelo carro é que, mesmo com todo esse esforço, com esse custo humano, a gente não ganhou mobilidade. Eu chego mais rápido à USP de bicicleta do que se eu sair de casa de carro e empato com o metrô”, defende.
Segundo o especialista, mesmo quem decide ter a bicicleta como meio de transporte acaba sofrendo os impactos de uma cidade que se habituou a utilizar carros, já que a qualidade de vida cai consideravelmente e também a expectativa de vida. Além disso, cada vez mais as pessoas tiram dinheiro do próprio bolso para tratar de problemas de saúde relacionados com a poluição, assim como toda a sociedade também acaba pagando mais impostos em virtude de acidentes no trânsito.
“Também pagamos com quatro mil mortes a mais por ano apenas em São Paulo, por causa da poluição, mais 1.500 mortes no trânsito. Pagamos com três anos a menos de expectativa de vida por causa da baixa qualidade do ar, que é a situação de São Paulo. Hoje a poluição em São Paulo causa um impacto à saúde pública maior do que o cigarro, e a gente bate pesado no fumo e nem fala do sistema de mobilidade urbana”.
Poluição X Mobilidade urbana x Saúde: existe uma solução?
Como especialista em poluição com estudos realizados fora do país, Paulo faz um alerta sobre os problemas enfrentados no Brasil. “A gente age como se o controle da poluição fosse incompatível com a riqueza, mas, se você olhar os dados, vai perceber que poluição é problema de país pobre, não de país rico. Aqui a gente não tem cidadania suficiente pra exigir processos mais limpos. Por isso essas montadoras estão migrando para países onde as leis ambientais são mais frouxas e eles trabalham em Brasília pra que continuem frouxas. Nosso padrão de qualidade do ar é dos anos 1980 e não muda há 30 anos porque há uma pressão imensa da indústria e dos políticos para que não mude”.
Já em relação ao transporte público, como ônibus e metrô, Paulo concorda que utilizar tal meio de transporte é uma saída mais amigável ao meio ambiente do que cada pessoa ter um carro, porém faz uma ressalva em relação ao que é gasto por mês por um indivíduo de baixa renda em uma cidade tão cara como São Paulo. “Uma pessoa que pega condução todo dia gasta mais de 200 reais por mês, fora o tempo que perde, que vale ainda mais dinheiro”.
Os depoimentos de Paulo Sadiva foram publicados em entrevista realizada pela revista Vida Simples, em 2015.