Os índios são os primeiros guardas florestais que transcenderam séculos e assistiram de perto a transformação dos ecossistemas provocada pelas mudanças climáticas. Ninguém melhor do que esses nativos para entender a relação dos biomas e as necessidades da natureza. Por isso, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), realizada em 1995, reconheceu em esfera mundial a valorização da presença dos povos indígenas. No Brasil, o reconhecimento veio bem antes, no governo oligárquico – forma de administração em que o poder público está centralizado em um pequeno grupo de pessoas – do presidente Marechal Deodoro da Fonseca, em 1910, com um decreto do Governo Federal que criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que assegurava um sistema efetivo de ocupação de terras para os indígenas da época. Atualmente o número de índios espalhados pelo país é grande, 896 mil deles estão distribuídos entre 305 tribos, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. Xavantes, Guarani, Pataxó, Potiguara e Ianomami são algumas das comunidades indígenas mais conhecidas.
Problemas enfrentados pelos Povos Indígenas
Tribos às margens do rio Xingu enfrentam o entrave de desapropriação de suas terras que vão servir de terreno para construção da Usina de Belo Monte, no Pará, projeto que faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com previsão de término em 2015. Para que isso seja possível, o juiz da 9ª Vara do Estado do Pará, Marcelo Honorato, aprovou, no último mês de julho, o licenciamento ambiental que concede o direito da continuação das obras da usina.
A disputa pela posse e preservação de terras entre os índios e agricultores traz prejuízos étnico-culturais para as tribos indígenas. “[…] a gente vai perdendo os territórios, vai ocorrendo desmatamento. Aí começa a perder a língua, a cultura, os conhecimentos tradicionais. Esse é o maior problema e isso acontece desde a invasão do Brasil até hoje”, lembra o índio Hiparidi, da etnia Xavante, durante o 13° Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, realizado mês passado. Segundo o Censo 2010, 68,3% do total de índios moram em área rural. E é aí que mora o problema, pois eles enfrentam medidas incisivas de desapropriação de posse pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). No mês passado a CNA pediu a elaboração de um novo modelo político de demarcação de terras indígenas alegando que o planejamento atual pode impedir o desenvolvimento do setor que já se encontra com alta de 9,7%.
A biopirataria sofrida pelos índios, que nada mais é do que a monopolização do conhecimento das populações tradicionais pelas empresas multinacionais, é outro problema a ser enfrentado pela população indígena. Pelo fato dos povos indígenas conhecerem a fundo o princípio medicinal das ervas e plantas da natureza, empresas do ramo farmacêutico e instituições de pesquisa científica exploram a capacidade dos índios de conhecer a rica biodiversidade brasileira. Um estudo científico publicado em 2011 pelo gestor ambiental, Francisco Daniel de Lima, que cita os especialistas Marcelo Vargas e Marcelo Almeida, é possível entender o motivo desta monopolização de conhecimento. Para Vargas e Almeida, “Essa exploração de conhecimentos tradicionais seria uma etapa facilitadora sobre as propriedades medicinais ou cosméticas derivadas de organismos previamente utilizados em diversas funções e atividades desse tipo de comunidade.” De acordo com os autores, para estabelecer um campo amigável de relacionamento entre índios e corporações, atualmente as aldeias firmam acordos com ONG´s, Universidades e Ministério Público para dispor a informação e receber algum retorno econômico e social em troca.
Tecnologia a favor da cultura
Steven Bird, professor da Universidade de Melbourne, desenvolveu um programa para celular que torna possível que línguas de comunidades indígenas em extinção possam ser ouvidas e entendidas por gerações futuras. Bird levou 15 smartphones para a Amazônia e formou uma rede integrada entre os telefones para gravar as histórias contadas por integrantes das tribos da região. Depois de gravado cada depoimento, o conteúdo poderá ser compartilhado com os outros telefones da rede. A tradução é feita frase por frase. Ao final do processo, um CD pode ser gravado em português para que outras pessoas possam entender o idioma indígena através das histórias. O projeto é uma iniciativa para tentar driblar o número de línguas indígenas em extinção. De acordo com o Censo de 2010, das 274 línguas faladas no país, 190 já se encontram em extinção. Iniciativas como a de Bird são muito interessantes para continuar preservando o legado indígena, porém medidas legislativas de proteção de terra e cultura não devem faltar em uma política protecionista, capaz de amparar os direitos desses povos detentores do conhecimento sobre o meio ambiente.