A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022, em discussão no Senado Federal, tem gerado grande debate entre políticos, ambientalistas, cientistas e personalidades famosas.
No entanto, os diversos argumentos parecem mais confundir do que esclarecer o real problema associado à controversa intenção da PEC: a transferência onerosa de terrenos de marinha já ocupados por cessionários autorizados pela União.
Esses terrenos, que incluem uma porção de praia e áreas da planície costeira, não podem ser ocupados nem ter sua titularidade transferida para proprietários privados, segundo a Constituição Federal. Apesar disso, há um forte processo de ocupação da região costeira, devido à alta valorização desses terrenos pelo mercado imobiliário.
A principal motivação da proposta está na tributação sobre os ocupantes desses terrenos, que se soma ao IPTU pago aos municípios. Contudo, ao invés de buscar uma solução para a questão tributária, a PEC desconsidera aspectos fundamentais da dinâmica costeira, tanto do ponto de vista ambiental quanto social e econômico.
Além disso, cria um paradoxo ao vender um espaço que está sob risco de desaparecer devido aos processos erosivos, agravados pela elevação do nível do mar causada pelas mudanças climáticas.
De acordo com o Panorama da Erosão Costeira no Brasil (MMA, 2018), cerca de 40% da costa brasileira está em estágio avançado de erosão, sendo o padrão de uso e ocupação da costa uma das principais causas, por interferir na dinâmica sedimentar.
Construções em terrenos de marinha afetam o processo natural de mobilização e remobilização de sedimentos, levando a um processo crônico de erosão.
Como consequência, a zona costeira está sendo comprimida entre a elevação do nível do mar e a ocupação desordenada, que urbaniza áreas naturais e impede o ajuste da linha de costa às mudanças climáticas. Além das praias, os manguezais, também associados aos terrenos de marinha, são frequentemente alvo de intervenções humanas.
Os ecossistemas das praias e dos manguezais, componentes importantes da biodiversidade marinha, fornecem benefícios relevantes para a sociedade, como proteção da linha de costa contra eventos extremos, sustentação da biodiversidade e da produção pesqueira, além do sequestro e estocagem de carbono, contribuindo para a regulação climática.
O cenário futuro gerado pela PEC levará à supressão desses ambientes em grande parte da costa brasileira, pois os ocupantes intensificarão a artificialização da costa para proteger suas propriedades, construindo muros cada vez maiores que agravarão os processos erosivos.
É essencial considerar também que as praias são suporte para diversas atividades de lazer e recreação, sendo o ponto de contato da sociedade com os benefícios imateriais gerados pelo oceano, além de impulsionarem a economia dos municípios costeiros.
Em resumo, a PEC 03/2022 não apenas ameaça a privatização das praias, mas também coloca em risco a preservação de ecossistemas costeiros vitais, agrava os processos erosivos e compromete os benefícios ambientais, sociais e econômicos proporcionados por esses ambientes. É fundamental uma análise mais abrangente e cuidadosa dos impactos dessa proposta antes de sua aprovação.
Com informações de O Eco