Numa recente manhã de domingo fui surpreendido por um incrível documentário feito pela BBC que tratava de um assunto – no mínimo – inusitado: vasos sanitários! É isso mesmo, esse objeto muito presente em nosso cotidiano, mas que fica escondido, e sobre o qual pouco se fala, acabou mostrando (e até comprovando) uma tese que defendo há tempos: existem excessos nos produtos de luxo em detrimento de produtos básicos e que representam excelentes oportunidades de mercado. Mais especificamente: se alguns produtos básicos fossem melhor trabalhados, eles poderiam render grandes retornos aos seus investidores enquanto em função de uma certa facilidade de colocação no mercado esses mesmos produtos assumem ares que absolutamente não precisariam, tornam-se caros, até objetos de desejo. Mas quando analisamos friamente concluímos que se trata de uma grande tolice voltada para um público idem. Isso me causa um certo enjoo e uma pergunta: será que precisa?
Os dois lados da moeda
Para tornar mais claro meu pensamento, vou descrever um pouco o tal documentário e todos entenderão onde quero chegar. Como um bom documentário, primeiro apresentaram o que é o produto (alguém não sabe?), chamando a atenção para alguns detalhes técnicos que eu desconhecia. Aí foram para os primórdios dos vasos, como eles se desenvolveram até chegar ao atual mercado japonês, onde de (até então) básicos assumiram ares de Rolls-Royce.
Em seus modelos mais sofisticados oferecem, dentre outros “serviços”, aquecimento de assento, esguichos em posições curiosas, troca automática de protetor de assento e um painel de controle que – juro – se fosse usar ficaria um bom tempo tentando entendê-lo e com grandes chances de não conseguir.
Eu já havia visto coisas nesse sentido mas nesse nível confesso que jamais. Me lembrei até de uma interessante definição do Professor Marins no vídeo “Descomplicando o Marketing”, onde mostra que a diferença entre nós, do mundo (dito) civilizado, e os aborígenes australianos (considerado como o povo mais rudimentar do mundo) é o grau de sofisticação com que fazemos as coisas. Assim ele compara: “basicamente fazemos as mesmas coisas (nós e os aborígenes): preparamos os alimentos, comemos e expelimos os excrementos, mas o que faz a diferença de “civilização” é o grau de sofisticação com que essas tarefas são feitas”. Evidente que o grande professor se referia a diferenças como caçar o alimento versus ir ao supermercado, comer com talheres versus com as mãos, ir ao banheiro versus… (como descrever essa?). Tenho certeza que ele não pensou nesses tais “hiper-high-tech” vasos sanitários.
Há muitas oportunidades de cumprir com o que há de mais básico num produto: sua capacidade de prestar serviço e sem impactos negativos, principalmente se formos criativos e ainda usando muitas das ferramentas de marketing e administração para gerenciar o projeto.”
Mas, voltando ao documentário, em seguida (mais ou menos perto do Japão) eles apresentaram a situação sanitária de Bangladesh e aí o choque: uma situação pior que dos aborígenes numa total falta de assepsia, convivência total com a poluição mais básica, infraestrutura de saneamento zero, para não dizer negativa.
Até aí tudo bem (ou não surpreendente), principalmente para quem vive no chamado terceiro mundo (ao qual ainda pertencemos). O que realmente me chamou a atenção foram duas iniciativas: a do World Toilet Organization e da Gates Foundation.
Essas entidades assumiram a bandeira de melhorar as condições de higiene de populações carentes numa atividade inevitável. A WTO – originaria de Singapura e presente em 53 países – faz a disseminação de conceitos básicos de saneamento referente a excrementos, propondo a construção de vasos sanitários até rudimentares, mas eficazes do ponto de vista da saúde e viáveis do ponto de vista econômico. Enquanto isso, a Gates Foundation propôs à oito grandes universidades um prêmio de US$ 100 mil àquele que desenvolver um sistema de vasos sanitários que – movidos a energia solar e do próprio hidrogênio gerado pelos excrementos – já façam o tratamento químico da urina e fezes. Detalhe do desafio: cada unidade não pode custar mais que €$ 25,00 para ser fabricada.
Ambas as organizações se questionam: porque gastar água limpa para levar esses excrementos embora? Com certeza boas perguntas, fantásticas iniciativas e a questão que proponho nesse artigo: será que os bons mercados só se encontram no topo da pirâmide?
Fazendo o politicamente correto de forma certa
Analisando esses fatos, insisto: há muito espaço para produtos que sirvam para a humanidade e ao mesmo tempo para o investidor. Imagine quanto se pode vender e lucrar com produtos básicos como o proposto pela WTO e também revolucionários como o solicitado pela Gates? Num artigo anterior defendia que era muito difícil o marketing gerar necessidades. Mas num exemplo como esse, é perfeitamente viável fazer isso, oferecendo um produto saudável e acessível para seus usuários e ao mesmo tempo beneficiando todo o planeta.
Assim como esses, há muitas oportunidades de cumprir com o que há de mais básico num produto: sua capacidade de prestar serviço e sem impactos negativos, principalmente se formos criativos e ainda usando muitas das ferramentas de marketing e administração para gerenciar o projeto. Nos valores de produtos como os propostos, qualquer país e seu governo teria condições de arcar com tais investimentos. Mas aí sim, seria utopia. Então situações e oportunidades como essaa e outras similares tinham que chegar com mais força à iniciativa privada, que saberia como viabilizá-la num caso claro de lucro sem pecado!
Segue o vídeo para quem quiser conferir o documentário “The Toilet: An Unspoken History”, infelizmente eu não encontrei uma versão dublada ou legendada: