O que é luxo? Tenho certeza que você, caro leitor, imaginou um hotel seis estrelas em Dubai, uma limusine levando “patricinhas” encharcadas de champanhe pelas ruas de Nova Iorque ou até a festa do sexto casamento do playboy Chiquinho Scarpa. Estes são exemplos bastante óbvios de deslumbres e exageros, mas que limitam perigosamente a discussão que gostaria de propor com essa coluna. Afinal, o luxo é reservado apenas aos milionários ou toda a humanidade corre o risco de vislumbrá-lo? Em que momentos e situações ele se escancara e a que custo?
Para tanto, peço que você imagine viver hoje sem uma internet rápida, e-mail, smartphone, aparelho de DVD, banho com água quente, ar-condicionado, estradas de boa qualidade, produtos de excelente procedência e com garantia de origem, softwares de gestão empresarial. Com certeza a maioria dos itens mencionados é considerada essencial para você, que deve estar pensando que sou um lunático em favor da volta às nossas origens, ou seja, um primitivista radical. Não é verdade, o que pretendo é apenas trazer à tona algo ainda pouco discutido: a capacidade de arcarmos com nossas exigências atuais. Capacidade tanto social como ambiental, pois sabemos que o planeta tem limites. Não há necessidade de lembrarmos, aqui, que hoje utilizamos 30% a mais do que o planeta pode aguentar – isso para padrões humanos – e que a tecnologia produz cada vez mais facilidades, alterando dia a dia nosso padrão de vida.
A reflexão almejada por esta coluna é a seguinte: luxo é passar o fim de semana em Paris com seu jatinho particular ou o luxo é construído diariamente com nossos novos padrões e necessidades? É possível manejar uma sociedade que ainda vai consumir milhões de iPhones e automóveis e que necessitará de uma internet cada vez mais rápida, capaz de compartilhar informações e cultura instantaneamente? Fechamos os olhos ou é, realmente, muito difícil enxergar os custos desse estilo de vida?
Recentemente saíram na mídia suspeitas de que a Apple compra estanho produzido a partir do trabalho infantil na Indonésia. São suspeitas e, além disso, alguns podem provar que trata-se de um trágico acidente, mas que não significa ser impossível alimentar a modernidade sem agressões ambientais e sociais. Bom, pode ser, mas é absurda a ideia de que a corrida por um estanho de baixo custo passe por cima dos direitos e da ética com o intuito de não decepcionar os ávidos consumidores.
A reflexão almejada por esta coluna é a seguinte: luxo é passar o fim de semana em Paris com seu jatinho particular ou o luxo é construído diariamente com nossos novos padrões e necessidades?”
Para o filósofo francês Gilles Lipovetsky, o luxo hoje está relacionado ao bem estar. A sociedade quer ouvir música, mandar e-mails, cuidar da saúde, viajar nas férias, etc. Com as facilidades de crédito há hoje uma parcela muito maior da sociedade almejando viajar para o exterior nas férias, por exemplo. O que a princípio parece ótimo, nos inquieta quando pensamos se essa é mais uma necessidade moderna, impossível de ser suportada por um planeta enfermo, mero palco de nossas grandes realizações. Devo estar enganado, adoro viajar, mas sinto sempre certo pânico com essa necessidade descolada que sentimos de conhecer o mundo.
Todas as nossas necessidades demandam energia para serem supridas, ou seja, por trás de tudo existe um impacto, mensurável ou não. É fácil visualizar o impacto de um derramamento de petróleo, mas é mais difícil visualizar o impacto de uma cadeia produtiva agressiva, da extração de um metal na Indonésia e, também, os impactos indiretos, os quais considero muito importantes e desafiadores como, por exemplo, o deslocamento de tecnologia e investimento de setores fundamentais para demandas supérfluas. Como podemos medir o impacto social causado por uma necessidade absolutamente artificial e que impossibilitou o avanço de outra tecnologia, possivelmente mais importante para a humanidade?
Recentemente, uma matéria me chamou a atenção, pois o assunto casa muito bem com o tema proposto por esta coluna. No dia 16 de outubro, o site esportivo Lance! publicou uma matéria sobre a tecnologia por trás da defesa do goleiro Cássio no pênalti batido por Rogério Ceni no clássico entre São Paulo e Corinthians no dia 13 de outubro. O Corinthians possui uma equipe de seis profissionais que utilizam a tecnologia de estatística e a análise de dados para levar informações aos jogadores sobre os adversários. Isto é, quando no passado o pênalti era uma disputa entre batedor e goleiro, atualmente é uma disputa entre diversos profissionais envolvidos em um único lance. O que nos parece a princípio uma inovação que vem para o bem, pois traz mais empregos, gera benefícios e melhora ainda mais a técnica dos jogadores, traz também a dúvida e a inquietação que procurei compartilhar neste texto. Esse é o caminho certo ou criaremos nossas próprias armadilhas?