Os incêndios florestais têm se tornado cada vez mais corriqueiros, não só no Brasil, mas em diversos países do mundo. Recentemente, incêndios de grandes proporções atingiram países como Portugal, Espanha, Canadá, EUA, entre outros. Além do enorme impacto ambiental causado por este tipo de desastre, existe a questão socioeconômica envolvida, já que diversas famílias próximas ao local do incêndio abandonam seus lares e a região por muitas vezes demora anos para retomar a sua normalidade econômica.
No Brasil, tivemos casos recentes de grandes incêndios. Alguns locais foram praticamente devastados, os principais foram: no Horto Florestal em Campos do Jordão, Parque Nacional da Chapada Diamantina na Bahia, Parque Nacional da Serra Bocaína na divisa entre São Paulo e o Rio de Janeiro e na Chapada dos Veadeiros em Goiás. Esses são apenas alguns exemplos dos diversos incêndios que ocorrem em nosso país.
Para melhor compreender esse tema que causa tanta preocupação, principalmente em países como o Brasil, em que as floretas e matas são tão abundantes e o clima seco em muitas regiões, convidei o professor Dr. Alexandre França Tetto, especialista em prevenção e combate a incêndios florestais, mestre e doutor em Conservação da natureza, além de ter atuado na Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná, no SENAR-PR e também como consultor. Ele ainda elaborou projetos e laudos para o Governo do Estado do Paraná, INCRA, IICA, poder judiciário e empresas privadas. Atualmente leciona as disciplinas de Incêndios Florestais, Climatologia, Meteorologia Florestal e Manejo de Áreas Silvestres na Universidade Federal do Paraná, veja abaixo como foi o nosso bate-papo:
Por que ocorrem tantos incêndios florestais no planeta?
Os incêndios ocorrem sobretudo em função da mudança do uso do solo, com o aumento de áreas de culturas agrícolas, cultivos florestais ou pecuária, que possuem material combustível predominantemente fino e em quantidade, que facilitam o início e propagação dos incêndios, além da presença humana, que é responsável pelo início da grande maioria dos incêndios.
Diversas pesquisas apontam a ação humana como a principal causa dos incêndios florestais, isso significa que a grande maioria desses desastres poderiam ser evitados?
Teoricamente, sim. O que falta é prioridade e planejamento em ações de prevenção aos incêndios florestais.
Em regiões com maior propensão a incêndios florestais, existe algum tipo de vegetação/biodiversidade que possa auxiliar na prevenção contra os incêndios?
Para que o fogo exista, há necessidade de três elementos: calor, material combustível e oxigênio. Se eliminarmos um ou mais destes elementos, reduzimos ou extinguimos o fogo. Neste sentido, uma das técnicas de prevenção diz respeito à alteração da vegetação por meio da implantação de cortinas de segurança (vegetação menos inflamável daquela que se quer proteger). Cabe destacar, que para cada local/condição haverá uma composição vegetacional mais indicada, no caso da cortina de segurança, ou a opção de outras alternativas de prevenção, como: educação/sensibilização ambiental, construção de aceiros, queima controlada, entre outras.
Na sua opinião o Brasil está preparado para combater incêndios florestais? Existe algum estado que pode ser citado como caso de sucesso?
Para entender o contexto atual, destaco um fato histórico que foi o incêndio de 1963, no estado do Paraná. Este incêndio, considerado como um dos maiores no mundo em extensão, queimou 2 milhões de hectares, destruiu 8.000 imóveis entre casas, galpões e silos, deixou aproximadamente 5.700 famílias de trabalhadores rurais desabrigados e causou a morte de 110 pessoas.
Naquela época, o corpo de bombeiros do estado recebeu treinamento do Serviço Florestal Americano, que o repassou, ao longo dos anos seguintes, aos demais grupamentos do Brasil. Em função disso, os bombeiros possuem uma boa capacitação para o combate aos incêndios florestais. O mesmo ocorre nas empresas florestais, que frequentemente realizam treinamentos/capacitações para os seus funcionários. O desafio está em aperfeiçoarmos a prevenção e o combate em unidades de conservação, em função da falta de recursos humanos e de ferramentas ou equipamentos para combate.
Percebe-se uma demora elevada na tomada de decisão no combate ao fogo pelas instituições públicas, seja em âmbito Federal ou Estadual, por que isso ainda ocorre?
As ações de prevenção e combate devem ser realizadas anualmente em função da estação normal de perigo de incêndios. Como existem picos de ocorrência de incêndios, a cada 3 a 5 anos, por exemplo, não há uma continuidade dessas ações, o que compromete a efetividade do sistema de proteção. Além disso, o impacto causado pelos incêndios, principalmente em unidades de conservação, não é uma prioridade do governo.
Uma floresta que sofre com um incêndio de grandes proporções, demora quanto tempo para recuperar-se em sua plenitude?
O efeito do fogo sobre uma formação florestal dependerá das suas características. O cerrado, por exemplo, é considerado uma vegetação dependente do fogo, ou seja, a sua evolução está relacionada e condicionada à presença do fogo, que ocorre regularmente. Por isso, neste ambiente é recomendado o manejo do fogo, que acaba por resultar em benefícios ao ambiente, como o surgimento de flores poucos dias após a passagem do fogo. No outro extremo está a Floresta Ombrófila Densa (floresta atlântica), que além de não possuir adaptações vegetativas ao fogo, possui condições que dificultam a sua ocorrência e propagação, como: menor temperatura, maior umidade relativa do ar e menor velocidade do vento.
A população, principalmente em locais com propensão a incêndios florestais, é orientada quanto a gravidade do tema? Existe engajamento das empresas privadas com o assunto?
São campanhas pontuais que vêm sendo realizadas pelos governos, geralmente por técnico preocupado com o tema. Em empresas florestais, a preocupação já é mais continuada, sobretudo nas áreas de entorno dos cultivos florestais.
Possui algum recado/alerta que gostaria de deixar aos leitores sobre o tema incêndios florestais?
É preciso se atuar mais na prevenção dos incêndios florestais e no seu planejamento. A utilização de um registro de ocorrência de incêndios, que nos possibilita uma análise histórica de ocorrências, fornece subsídio e nos indica onde, quando e de que forma concentrar esforços, já que os recursos são finitos. Além disso, o uso de um índice de perigo de incêndios é fundamental, por indicar as medidas preventivas a serem adotadas, o comportamento do fogo esperado e a dificuldade de supressão do incêndio.
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