No dia 2 de agosto, a Lei 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), completou 13 anos. Um dos principais objetivos dessa medida é pôr fim aos lixões e regular a gestão dos resíduos produzidos no país. Apesar de mais de 70% das cidades brasileiras já possuírem coleta seletiva, apenas 30% da população separa corretamente o lixo seco do orgânico em suas casas – é o que afirma um estudo da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Por essa razão, a lei também se relaciona com as prioridades apoiadas pela economia circular.
De acordo com a Abrelpe, apenas 4% de todos os resíduos produzidos no país são reciclados ou reaproveitados de alguma forma. Diante desse contexto, a lei busca trazer novas abordagens para a gestão ambiental, com foco no desenvolvimento de estratégias sustentáveis, como a redução da geração de resíduos e do desperdício de materiais, a reutilização de resíduos sólidos em diferentes cadeias produtivas e o incentivo à responsabilidade ambiental – conceitos conhecidos na legislação como Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.
Qual é o objetivo da Política Nacional de Resíduos Sólidos?
“O ponto central da Política Nacional de Resíduos Sólidos é a relevância de possuir um guia de diretrizes e bases para um novo modelo de desenvolvimento. A economia circular promove esse novo olhar que enxerga os resíduos como matéria-prima. Às vezes, isso pode passar despercebido, mas os princípios de prevenção e não geração de resíduos são muito importantes”, afirma Bia Luz, CEO da Exchange4Change e líder do Hub de Economia Circular Brasil, em entrevista exclusiva à EXAME.
Outro ponto-chave relevante do estímulo, segundo Luz, é o fortalecimento dos acordos setoriais ao longo dos anos. Em outras palavras, a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece acordos com metas e prazos claros, direcionando a indústria de diversos setores a passar por reorganizações internas para atender às demandas estipuladas pela lei.
A importância da integração no tratamento de resíduos
Apesar de ser importante, a PNRS é apenas o primeiro passo que antecede a estruturação do sistema econômico proposto por ela e outros especialistas em economia circular. “A Política Nacional de Resíduos Sólidos fornece uma base sólida para discutirmos a questão dos resíduos, mas é necessário modificar a mentalidade dos negócios e considerar o redesign e o reaproveitamento. Não devemos enxergar os resíduos como custos, mas como investimentos para novos negócios, capazes de gerar empregos e regenerar o planeta”, diz Luz.
Para Luz, é essencial considerar uma tríade – pessoas, papéis e processos – ao abordar o pilar da economia circular. “O objetivo é integrar mais as cadeias e os departamentos. Acredito que as empresas devem encarar a economia circular como uma estratégia de negócios integrada”, afirma Luz. A partir dessa visão, as empresas lidam com oportunidades de negócios e as encaram como estratégias. Assim, a inclusão é fundamental para alcançar metas como Netzero e descarbonização, contribuindo para o desenvolvimento de uma visão mais sustentável.
A relevância da lei para a inclusão dos catadores
Segundo estimativa realizada pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), existem cerca de 800 mil catadores no país. A Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) é uma das organizações que trabalha pela profissionalização dessa categoria. Para o presidente da ANCAT, Roberto Rocha, “a Política Nacional de Resíduos Sólidos integra e dá prioridade aos catadores de materiais recicláveis. Portanto, é uma medida fundamental, pois é uma das poucas políticas que consideram os catadores como atores prioritários nesse processo”.
Dessa forma, são garantidas outras ações e medidas relacionadas ao grupo, como a contratação de coleta seletiva e a gestão de resíduos. A atuação dos catadores é importante considerando a logística reversa, e a PNRS reforça essa importância. Além disso, a medida também humaniza essas pessoas. “A Política Nacional também foi muito importante para o Movimento Nacional dos Catadores, que conduziu junto com o Governo Federal, a Câmara de Deputados Federais e o Senado a aprovação e implementação dessa lei durante o mandato do presidente Lula”, disse Rocha.
Visando garantir a cidadania dos catadores, a ANCAT lançou, em parceria com o Instituto Heineken, o HUB da Cidadania em julho deste ano. Trata-se de um escritório móvel que oferece apoio aos catadores autônomos na capital paulista, reduzindo a vulnerabilidade social por meio de atendimentos com assistentes sociais, psicólogos, advogados e outros profissionais para orientá-los sobre políticas públicas voltadas para sua categoria. O projeto também oferece oportunidades de lazer e aprendizado, como uma biblioteca móvel. Segundo a associação, o objetivo é atender cerca de mil catadores no primeiro ano.
Apesar de representar um marco significativo para a classe, o presidente da associação afirma que a política avançou pouco nos últimos anos. “Ainda há uma grande luta no sentido de os municípios priorizarem a Política Nacional”, afirmou Rocha. De acordo com ele, os planos estaduais e municipais precisam incorporar e integrar essa população de baixa renda e os serviços prestados pelas organizações de catadores.
O papel das empresas na aplicação da política
O primeiro passo para que as empresas lidem conscientemente com a questão dos resíduos é entender que isso é uma ação coletiva, ou seja, é necessário trabalhar em colaboração com todos os agentes envolvidos na cadeia de produção e consumo.
Em segundo lugar, é importante projetar produtos considerando tanto a fase de uso quanto a fase pós-consumo, que é a fase de descarte. De acordo com Luz, as empresas ainda estão focadas na experiência do cliente durante o uso do produto, e não após o uso. Por isso, a conscientização ajuda o consumidor a entender a importância de devolver determinados materiais. Dessa forma, a economia circular propõe unir pessoas, empresas e a sociedade.
No entanto, há certa complexidade, pois existem estágios de produção e tratamento de resíduos que ocorrem simultaneamente, e as empresas não devem apenas esperar que o governo promova políticas públicas para agir. “Todos têm um papel nessa cadeia reversa; a indústria pode redesenhar produtos e serviços para os consumidores. É preciso rever atitudes, valores e compromissos”, disse Luz.
Já existem ações de economia circular aplicadas em empresas brasileiras. Um exemplo é a utilização de copos reutilizáveis em eventos, onde os visitantes podem comprar o copo, utilizá-lo durante o evento e devolvê-lo ao fornecedor, recebendo o valor da compra de volta – o que redefine o papel do resíduo na cadeia produtiva.
Outro exemplo internacional é o Cup Club (Clube do Copo), que trabalha com opções sustentáveis de copos de café em cafeterias. Lançado em 2018 em Londres, o clube permite aos consumidores de café devolverem os copos usados em qualquer cafeteria participante.
“Como os copos de café são muito difíceis de reciclar, eles se perguntaram: ‘Como podemos evitar esse resíduo?’. A partir disso, foi criada uma nova solução: um copo reutilizável e uma plataforma que reúne cafeterias e um sistema de coleta que ocorre no final do dia”, afirma Luz. Dessa forma, o consumidor é responsável pelo copo plástico e pode devolvê-lo em outra cafeteria participante. Essa é uma estratégia circular que combina design, tecnologia e integração de diferentes stakeholders.
“A expectativa é mostrar à indústria e ao governo que temos a oportunidade de gerar novos empregos, inclusão social e regeneração do nosso ecossistema por meio da economia circular para resolver as três grandes crises planetárias: mudanças climáticas, proteção da biodiversidade e prevenção de resíduos e poluição. Tudo isso por meio da educação”, concluiu Luz.
Com informações da Revista Exame