Há pouco mais de uma semana, tinha decidido que o tema deste texto seria sobre a poluição atmosférica e o modelo de produção e, consequentemente consumo, que nos leva a infindáveis congestionamentos, quilométricos quando se fala de cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Porém, diante das atuais manifestações que estão ocorrendo em todo país, especialmente em São Paulo, decidi não ignorar e propor aos leitores desta coluna que pensem e repensem o que a questão ambiental tem a ver com isso. Ressalvo que é apenas o início de um debate que tem diversas outras implicações, além da qual escreverei.
Para isso, citarei um pouco do que vivi na cidade de São Paulo: nasci na capital paulista e vivi nela até os meus 12 anos. Em busca de qualidade de vida, meus pais decidiram mudar-se para o interior do estado. Entretanto, meu pai continua até hoje trabalhando na capital e, enfrentando ônibus e metrôs lotados, trajetos excessivamente extensos, trânsito caótico, diversas horas consumidas em ruas engarrafadas, esburacadas, mal sinalizadas, tarifas absolutamente desproporcionais à qualidade do transporte, à inflação e ao salário das trabalhadoras e trabalhadores. Meu pai, bem como toda a população que vive em São Paulo, cotidianamente enfrenta a super produção de carros e respira um ar de péssima qualidade, carregado de poluentes emitidos pelas filas de veículos que circulam na cidade.
No dia 12 de junho, a metrópole enfrentou 282 km de engarrafamento, a 3ª maior da história¹. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego, não havia no horário nenhum registro de acidente significativo ou protestos, ou seja, foi resultado da chuva e do excesso de veículos. Filas de carros parados queimando combustíveis, em sua maioria fósseis, mas todos poluentes.
Esses jovens lutam contra a lógica mercadológica que diminui linhas de ônibus, aumenta o percurso de outras, oferece ônibus precários, lotados e cada vez mais caros, que impactam o bolso de todos os usuários”
Toneladas de monóxidos e dióxidos de carbono, nitrogênio e enxofre, além de material particulado e metais pesados, como o chumbo, são lançados no ar diariamente em São Paulo. Toda essa combinação gera as já corriqueiras chuvas ácidas e doenças respiratórias: rinites, bronquites, asma, tão conhecidas pelas paulistanas e paulistanos.
Mas o que isso tem a ver com os “vândalos” que tem parado a cidade? Mobilizar milhares de jovens estudantes e trabalhadores por um aumento ridículo de R$ 0,20? “Inadmissível” disseram alguns, “bando de baderneiros e desocupados” clamaram outros, “têm é que apanhar da polícia e serem presos” gritaram a multidão que engole à seco as notícias de uma mídia absolutamente comprometida com a manutenção do que aí está, que não quer mudar, e que, inclusive, se utiliza dos meios mais escusos para defender o seu quinhão.
Pois é, mas os que não querem se calar lutam muito menos por uma redução na tarifa² e muito mais por um transporte público de qualidade, onde a lógica não seja senão pela garantia do direito fundamental de ir e vir todos os dias de casa para a escola, trabalho ou lazer. Esses jovens lutam contra a lógica mercadológica que diminui linhas de ônibus, aumenta o percurso de outras, oferece ônibus precários, lotados e cada vez mais caros, que impactam o bolso de todos os usuários, que cada vez mais têm decidido abandonar os transportes coletivos e optar pelo transporte individual, carros para a maioria, helicópteros para os donos das fábricas de carros.
Contudo, a decisão de usar carros ao invés de transportes coletivos não é de responsabilidade somente do usuário, tem grande parcela de culpa o modelo de produção – que é guiado pela lógica do lucro, ao invés da lógica do bem-estar social e da preservação do ambiente. Somos cotidianamente bombardeados por ofertas imperdíveis de carros, crédito facilitado e financiamentos com juros baixos. Propagandas nos dizem que quem tem carro curte mais a vida, é reconhecido entre os amigos, chefe e baladas (esse ponto merece um texto aprofundado, assumo a dívida de escrevê-lo em breve).
Portanto, o que a população quer e agora tem ido às ruas, por entender que democracia se exerce muito menos digitando uma sequência de números e muito mais por tomar consciência de que exigir seus direitos tão malogrados pelo estado mínimo, a serviço do capital privado, opressor e violento em que vivemos, é um dever de todas e todos. Por transporte público e, por que não por um ar saudável para respirar?
Querer um trânsito menos caótico e individualista e, portanto, menos entulhado de carros e mais oportuno para os meios de transporte coletivo, é querer menos poluição, menos degradação ambiental. É admitir que a rua não é um espaço exclusivo para os carros.
A rua é, sobretudo, um espaço das pessoas, que não atrapalham o trânsito, mas que convocam toda a sociedade para refletir, debater e sonhar.
Fontes:
1. Com 282 km de filas, São Paulo tem a 3ª maior lentidão da história. Disponível em: www.folha.uol.com.br
2. Por que estamos nas ruas. Disponível em: www.folha.uol.com.br
Denise Vazquez
Estudante de mestrado em Engenharia Civil na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na área de saneamento e ambiente. É formada em Tecnologia e Saneamento Ambiental pela UNICAMP. Paulistana de nascimento, ela diz estar com o coração doído pelos problemas da metrópole mais malcheirosa do país. Depois de desejar ser professora e escritora, escolheu fazer biologia, graduação que nunca cursou. Desde então aceita o apelido de eco-chata.