Estamos a um mês da data mais celebrada pela indústria e comércio, em que recordes de produção e, consequentemente, de vendas, são quebrados. O Natal: data mais importante do calendário cristão e o mais importante feriado do nosso Estado (nada laico) está aí, preocupando a cabeça de crianças, jovens e adultos.
As crianças são educadas desde cedo a entenderem o real significado do Natal: data tão ou mais propícia que o aniversário para acumular brinquedos e mais brinquedos, que em sua grande parte não serão usados depois de meia hora – atendendo o objetivo da indústria que os produziu, mas isso é só um detalhe. Afinal, quem resiste à figura do simpático e bom velhinho a quem chamam de Papai Noel, distribuindo presentes meritocraticamente às crianças boazinhas que desde cedo aprendem a se comportar?
Superando a infância, os jovens veem-se estimulados pela sociedade do consumo, que nada mais é do que a sociedade da produção. Quando a juventude engendra a vida adulta, assenta ainda mais este modo de vida: carros, baladas, imóveis, joias, equipamentos eletrônicos vários que muitas vezes fazem a mesma função. E tudo o mais que for ditado pelo capital como necessário à manutenção de uma suposta felicidade, mas que na verdade é um status, como se o ter fosse sinônimo de ser.
Um dos geógrafos mais importantes do país, Milton Santos, no livro Por uma outra globalização¹- que vale muito a pena ser lido – define a função do consumo: “[…]O consumo é o grande emoliente, produtor ou encorajador de imobilismos. Ele é, também, um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é o mundo passa pelo consumo[…]”.
E para conseguirmos consumir todo esse montante de coisas, foi necessário mercantilizar tudo o que está ao alcance, todos os elementos da vida, o transporte, a moradia, a saúde e a educação. A agricultura virou negócio, a natureza foi transformada em recurso e o lazer, a brincadeira na rua, foi trocada por objetos, como vide-games, bonecas e carrinhos. A criatividade perdeu espaço, tudo está posto em prateleiras. Balanças em baixo da árvore, banho de chuva ou de rio e até mesmo caçar passarinhos – que apesar de nocivo aos animais, são uma forma de ligação com a natureza – são atividades riscadas do roteiro. Crianças hoje se rendem desde cedo a brinquedos de plástico, à moda e mais tarde tornam-se escravas deste sistema que as transforma também em mercadorias.
Como já dizia Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos², “Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral”.
A agricultura virou negócio, a natureza foi transformada em recurso e o lazer, a brincadeira na rua, foi trocada por objetos, como vide-games, bonecas e carrinhos. A criatividade perdeu espaço, tudo está posto em prateleiras. Balanças em baixo da árvore, banho de chuva ou de rio são atividades riscadas do roteiro.”
E nesta mercantilização geral da vida, a alegria, o momento de estar com a família e amigos, cede lugar à celebração do consumo. O Natal torna-se assim, um momento de receber presentes, de exibir presentes, de se produzir coisas totalmente desnecessárias, de fazer a indústria lucrar terrivelmente às custas de trabalhadores que farão horas extras intermináveis e receberão (pra variar) baixos salários e nenhum direito, por empregos temporários e descartáveis, como a grande parte dos artigos vendidos nesta época. E a degradação ambiental, como resultado desse modelo produtivo, torna-se um dos fatores desta discussão, que tem profundas proposições filosóficas, políticas e éticas como disse no meu primeiro texto. Cabe aqui repetir as perguntas:
Que destino dar à natureza, à nossa própria natureza de humanos? Qual o sentido da vida? Quais os limites da relação da humanidade com o planeta? O que fazer com o nosso antropocentrismo quando olhamos do espaço o nosso planeta e vemos o quão pequeno ele é e quando passamos a saber que, enquanto espécie humana, somos apenas uma entre tantas espécies vivas de que nossas vidas dependem?³
Fontes: 1. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. São Paulo, Editora Record, 2001. 2. MARX, Karl (1844). Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. 3. PORTO-GONÇALVES, Carlos. Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.