Um dos “brinquedos” mais populares das crianças no século XX, o estilingue era o símbolo da molecagem, da brincadeira de rua sem compromisso e que tinha por objetivo capturar aves, principalmente em áreas rurais do Brasil. Passando de geração a geração, esta atividade nunca foi repreendida pelos pais ou avós, justamente por não haver preocupação com o meio ambiente como se tem hoje em dia. Porém, atualmente esta percepção já é diferente e alguns bons exemplos pelo Brasil mostram como é possível educar ambientalmente as crianças.
Em Sergipe, por exemplo, há projeto escolar que incentiva a troca de estilingues e gaiolas por cadernos e livros. “Antes eles não tinham conhecimento e matavam as aves e depois desse curso eles mesmos passaram a defender as aves. A iniciativa deu certo não só com os alunos, mas com a vizinhança. Depois desse trabalho que eles fizeram, eles próprios pegavam os estilingues dos vizinhos para trocar por kits escolares”, comentou a professora Rivalda Nascimento Santos, da Escola Municipal Rural de Lagoa Seca-SE, à Agência Sergipe de Notícias.
Onde está localizada a escola é uma área de grande diversidade ambiental, chamada de Refúgio da Vida Silvestre Mata do Junco, no município de Capela, a quase 70km da capital estadual. Tal região ocupa 894,46 hectares e é a segunda maior área remanescente de Mata Atlântica do Sergipe.
“Bem te vi, Papa Capim, Pica Pau e o Macaco Guigó”, são algumas das aves avistadas e reconhecidas pelo estudante João Pedro, de apenas sete anos. Já Johnantan Santos, de 11 anos, vai além: “Gosto de ver as aves, o Guigó, estudar as plantas e depois que comecei a estudar percebi que no coqueiro perto da minha casa tem vários ninhos de Pica Pau”, disse o garoto.
Observação de Aves na Mata do Junco
Assim como a troca de estilingues e gaiolas por livros e cadernos, outro projeto na região que também vem apresentando ótimos resultados junto às crianças diz respeito a encontros direcionados para observação de aves na Mata do Junco. “O objetivo é interagir com a comunidade local, fazendo com que ela se torne o agente mais importante na preservação dos ecossistemas e que o avistamento ou observação de aves permita que as espécies endêmicas da região se tornem referência de preservação”, explica Augusta Barbosa, coordenadora do Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco.
Esta unidade, inclusive, recebe recursos do Governo de Sergipe e tem a participação de Paulo Boute, um experiente guia de ecoturismo. Paulo é filho de ucranianos e desde muito pequeno é apaixonado pela natureza, o que o levou para Faculdade de Agronomia onde teve a oportunidade de conhecer o Pantanal através de expedições. Hoje, estabelecido em Aracaju, Paulo desenvolve trabalhos na Mata do Junco em parceria com a Semarh. Paulo também ministrou aulas no I Curso de Observação de Aves de Mata Atlântica, que, por sua vez, contou com doação de binóculos da entidade norte-americana “Optics for the Tropics”.
“Não existe quantidade e nem tempo de observação. Devemos observar as aves sempre que podemos. O tempo todo. Não devemos ter preguiça para observar os animais na natureza. Um passarinho não cometeu crime nenhum e não merece ser preso. Além disso, os pássaros na gaiola não reproduzem. Quem põe pássaros na gaiola está tirando o direito das futuras gerações de verem os filhotes e contribui para a extinção dos animais. Alguns aqui na mata estão ameaçados, por isso, precisamos proteger”, complementou Paulo.
Risco de extinção
Os projetos de observação de aves e troca de gaiolas e estilingues por materiais didáticos faz mais sentido ainda quando analisamos a situação das espécies que vivem na Mata do Junco. Somente ali, duas aves correm sérios riscos de extinção, a Pyriglena atra (Olho de Fogo Baiano) e Herpsilochmus pectoralis (Chorozinho de Papo Preto). Além disso, há na região oito aves típicas (endêmicas) deste ecossistema, sendo o pica-pau-anão pintado o animal mais conhecido. Com apenas 11 cm, manchas brancas e marrons, esta ave tem alimentação baseada em insetos.
Outro ponto fundamental para preservação das espécies na Mata do Junco é que são aves que têm papel fundamental para o desenvolvimento do meio ambiente local, isso porque transportam sementes de um ponto a outro diariamente. Espécies como a Jacupemba, Patinho, Bacurau e Beija-flor do rabo branco-rubro são as aves mais conhecidas que realizam este trabalho.
Interessante notar que estas aves são catalogadas e apresentadas às crianças, que por sua vez podem observá-las no habitat natural e quem sabe um dia até se tornarem propagadores do trabalho realizado ali. “Muitas crianças poderão exercer a função de guias, possibilitando uma geração de renda e desenvolvendo um olhar diferenciado sobre a responsabilidade em proteger a área, que além de abrigar inúmeras aves garante a preservação do habitat do macaco Guigó – primata ameaçado de extinção – como também do riacho Lagartixo, importante manancial que abastece a cidade de Capela”, finalizou Augusta Barbosa.