Depois das festas de final de ano, iniciamos 2015 e, apesar do ditado de que o ano no Brasil só começa depois do carnaval, várias classes de trabalhadores trabalham como nunca neste período. É o caso das catadoras e catadores de materiais recicláveis, já que o aumento na produção e consumo (especialmente no Natal), acrescentam consequentemente a quantidade de materiais recicláveis no mercado da logística reversa. E é também, neste momento que os preços pagos por estes materiais despencam.
Além das longas jornadas de trabalho, que são maiores nesta época, são diversos os riscos de saúde nesta profissão: exposições a objetos perfuro-cortantes (como agulhas, cacos de vidro, latinhas de alumínio), embalagens com resíduos tóxicos e/ou perigosos (como sprays, produtos químicos), materiais que ainda contém resíduos orgânicos, conferindo mau cheiro constante. Além de animais que podem ser transmissores de doenças, como: ratos, baratas, escorpiões, moscas, etc. Tudo isso em troca de baixos salários, poucos ou nenhum direito trabalhista. Para auxiliar estes profissionais, já mostramos aqui no site algumas dicas de como separar o seu lixo em casa.
Para se ter uma ideia da situação do setor no país: a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB)¹ revelou que 50% dos resíduos sólidos, em 2008, foram destinados em lixões, 26,8% das entidades municipais que faziam o manejo dos resíduos sólidos em suas cidades tinham conhecimento da presença de catadores nas unidades de disposição final desses resíduos. Existiam 994 programas de coleta seletiva em todo o país, um aumento de 45% em relação ao ano de 2000 (IBGE, 2010).
Em termos ambientais, a atividade tem grande importância pois diminui a pressão por recursos naturais, a quantidade de resíduos enviada a aterros sanitários, aterros controlados e lixões. E mais: os processos de reciclagem por vezes poupam energia e água. Um outro aspecto que não pode ficar de fora da análise é a viabilização de renda a inúmeras pessoas marginalizadas do mercado formal de trabalho.
Pude conhecer um pouco desta realidade quando trabalhei num projeto de extensão na Unicamp com cooperativas populares de resíduos sólidos. Acompanhávamos a Cooperativa Bom Sucesso da Reciclagem que, como boa parte das cooperativas no Brasil, são compostas majoritariamente por mulheres.
Neste tempo, notei algumas diferenças no modo de produção que são interessantes de serem observadas: ao contrário da cidade de São Paulo, que boa parte da coleta é realizada pelas catadoras e catadores, em Campinas a coleta é essencialmente responsabilidade da prefeitura. Se, por um lado, facilita o trabalho das cooperativas, que concentram-se na triagem do material e podem trabalhar com grandes volumes mais facilmente, por outro há a perda de autonomia, recebendo a quantidade de material que a prefeitura quiser, podendo ser alvo de retaliações políticas, caso não concordem com a gestão ou questionem o descumprimento de acordos, como o não fornecimento de EPI (Equipamentos de Proteção Individual) ou de barracões de triagem para as cooperativas.
Além disso, a coleta executada porta a porta, tem a vantagem da aproximação com a população, tornando visíveis esses trabalhadores que não são nem notados para boa parte das pessoas. Eu mesma, antes de trabalhar na área, mal notava um catador andando pela rua, foi só depois de começar que, de repente, passei a ver pessoas puxando carros lotados e pesados, que exigem uma força imensa para tal.
Ademais, essas mulheres e homens pobres e com baixa escolaridade tem desempenhando importante papel de educadores ambientais. São a prova viva de que conhecimento não se aprende exclusivamente em instituições formais de ensino. Assim, a dicotomia entre teoria e prática se mostra superada neste caso, atestando que podemos aprender muito com um dos grupos de trabalhadores mais estigmatizados em nossa sociedade.
E na atual conjuntura, tenho que concordar com o Sr. Sérgio Bispo, catador da Cooperativa Glicério de São Paulo – SP quando afirma que “um catador faz mais que um ministro do meio ambiente”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro: 2010.