A onda repentina de frio que as regiões sul e sudeste do país enfrentaram essa semana deixou montanhas cobertas de neve e cidades abaixo de 0°C. Temperaturas tão baixas assim não eram presenciadas no país há 50 anos, nem mesmo durante o inverno.
Eu que não gosto de passar frio, até semana passada procurava a estação do ano esquecida pelos termômetros, afinal, vivíamos uma prolongação do outono ao invés de entrarmos no inverno. Muito mais do que a onda de frio, o que me assustou foi justamente esse clima ameno, numa época em que deveríamos estar encapotados o dia todo e não só durante o início da manhã e final da tarde, como ocorre no outono. Esse clima louco me fez pensar no apocalíptico aquecimento global: existe ou não? Dentre as inúmeras polêmicas na área ambiental, arrisco dizer que essa é uma das maiores, senão a maior. Vivenciei debates calorosos entre diversos pesquisadores¹ sobre o tema.
De um lado, os defensores da teoria do aquecimento global, mostrando inúmeras evidências deste fenômeno, como o aumento dos dois principais gases do efeito estufa: gás carbônico e metano a partir da Revolução Industrial, com o início do uso intensivo de recursos naturais; aumento médio da temperatura do planeta; e suas consequências: derretimento das geleiras, aumento do nível do mar, desertificação, etc.
Do outro lado da arena, estão os que usam o termo “falácia” para se tratar do tema. Pois as oscilações climáticas são um processo natural, assim como a emissão de gases de efeito estufa, lançados em grande quantidade na atmosfera por atividades vulcânicas. Além disso, são questionáveis os métodos utilizados nas pesquisas realizadas pelo IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), como a análise de gás carbônico em cilindros de gelo, bem como a idoneidade dessa organização, que tem um claro discurso ideológico – descomprometido com mudanças estruturais na sociedade.
Não podemos esquecer ações imediatas efetivas contra a degradação ambiental em curso. Isso vai muito além de tomar um banho rápido, economizar energia elétrica, separar o lixo reciclável em sua casa ou consumir produtos orgânicos, hábitos muito cômodos!”
Mas para mim, o que é relevante de fato, independentemente de haver ou não aquecimento global, é que não podemos esquecer ações imediatas efetivas contra a degradação ambiental em curso. Isso vai muito além de tomar um banho rápido, economizar energia elétrica, separar o lixo reciclável em sua casa ou consumir produtos orgânicos, hábitos muito cômodos!
O grande problema do discurso hegemônico sobre o aquecimento global é que ele posterga o debate para daqui a 50 anos, enquanto que muitos fatores que estão estressando o ambiente estão acontecendo no mesmo ritmo das mudanças climáticas, mas acabam sendo colocado em segundo plano, quando o modelo político-econômico que aí está é que tem causado os impactos ambientais já existentes e que perdurarão caso não rompamos com ele.
O que é absolutamente contraditório é que no Brasil, onde já é produzida grande quantidade de gases de efeito estufa, por causa do desmatamento, a expansão dos biocombustíveis deverá acelerar ainda mais a emissão desses gases. Não podemos nos esquecer do quanto contribuem também a Alteração do Código Florestal, a construção a rodo de usinas hidrelétricas como Belo Monte, a exploração exaustiva de minérios, o agronegócio e a produção massiva de bens de consumo, para esse quadro de mudanças climáticas.
Em suma, esse debate gera uma espécie de “messianismo” ecológico onde a salvação se dará por medidas tecnocratas – que em geral alteram as técnicas de produção, mas não diminuem o ritmo da produção – e mercantis, gerando um novo mercado para negociar emissões de gás carbônico (mas esse assunto merece a crítica num texto especial). Sai de cena a justiça social e entra a luta pela sobrevivência, descontextualizada, como se os impactos ambientais fossem sofridos da mesma forma por todas as classes sociais e produzidos em igual escala por todos os países.
O que quero enfatizar é que o debate ambiental não pode ser ingênuo a ponto de desconsiderar as forças políticas em jogo e o recorte de classe social que existe como pano de fundo. As consequências (das supostas) mudanças climáticas serão sentidas por todos em certo grau, mas muito mais pelo pequeno produtor agrícola, pelo pescador, pelo morador do morro, da periferia e, ironicamente, os países que capitaneiam a organização da produção no mundo, grandes responsáveis pela degradação ambiental, são os que iniciaram os clamores contra os perigos do aquecimento global!
A aludida defesa do meio ambiente não passa de uma farsa para quem defende o continuísmo do modelo político-econômico que está aí. O Protocolo de Kyoto, que define metas para os países de redução de emissão de gases do efeito estufa, nunca foi cumprido, justamente porque isso implica em mudar os padrões produtivos, que são a engrenagem do sistema capitalista. Afinal, quem quer abrir mão do crescimento dos parques industriais, da produção descabida de bens de consumo cada vez mais descartáveis, da produção de commodities, da exploração de madeira e minérios? Sem essa mudança, nenhum problema ambiental será resolvido, sinto muito!
Colaborações: Gabriela Bosshard e João Paulo Camargo
Fonte:
1. Para mais informações:
Prof. Luiz Carlos Baldicero Molion. Aquecimento Global: uma visão crítica. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/revistaabclima/article/view/25404
Prof. Jefferson Cardia Simões. Degelo: Mitos e verdades. Disponível em: http://www2.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/projetos/revista/index.php/entre-vistas/140-desgelo-mitos-e-verdades?start=1
2. GEEA: Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos. TOMO I: Mudanças climáticas; Água no mundo moderno; Biodiversidade Amazônica. Org: Adalberto Luis Val, Geraldo Mendes dos Santos. Manaus: INPA, 2008.
LATUFF CARTOONS. A farsa da sustentabilidade. Disponível em: http://latuffcartoons.wordpress.com/2012/07/31/charge-p-fisenge-a-farsa-da-sustentabilidade/