Sim, ser um militante que luta contra a degradação ambiental e a exploração da terra como um bem te faz uma persona non grata no mundo, especialmente no Brasil. Um relatório publicado semana passada pela Global Witness¹ analisa as mortes ocasionadas por conflitos ambientais e agrários e revela que quase mil pessoas foram assassinadas por estes motivos em todo o mundo nos últimos 12 anos .
Num cenário de profunda desigualdade social, vivenciando a lógica da escassez, a defesa do meio ambiente e do uso salutar da terra, nunca foi tão necessária. Contudo, com a lógica do capital imperando, nunca foi tão perigosa, fazendo de militantes ambientalistas e agrários um dos grupos mais vulneráveis dos defensores dos direitos humanos.
Entre 2002 e 2013 foi possível confirmar que 908 ativistas foram assassinados em conflitos ambientais e agrários, destes, só foram julgados, condenados e punidos 10 agressores, cerca de 1%! Destaca-se que estão de fora destes números homicídios não esclarecidos, desaparecimentos, além de ameaças e violência em decorrência destes conflitos. E, segundo o relatório, os casos estão aumentando: a média nos últimos quatro anos passou de 1 para 2 homicídios de ativistas por semana.
E não é coincidência que quem luta pela biodiversidade, pela terra indígena e pela produção saudável (para não usar o termo já esvaziado “sustentável”) de alimentos, corra um risco muito maior de ser silenciado. Nos últimos 12 anos, o Brasil deteve metade das mortes em todo o mundo por esses conflitos: foram 448 casos ao total, seguido por Honduras (109) e Filipinas (67).
A violência por conflitos ambientais e agrários no Brasil não é de hoje, só para citar um exemplo, há 25 anos morria Chico Mendes, o maior ambientalista do país e certamente um dos mais importantes que já houve no mundo. Chico Mendes era seringueiro, cujo meio de subsistência dependia da preservação da floresta Amazônica e foi assassinado por fazendeiros latifundiários, produtores de gado. Até hoje na Amazônia, o ciclo é o mesmo: desmatamento de floresta virgem para extração ilegal da madeira, seguido de criação de gado e posteriormente o cultivo de soja – que é empurrada pelos canaviais que se estendem pelo sudeste.
Num cenário de profunda desigualdade social, vivenciando a lógica da escassez, a defesa do meio ambiente e do uso salutar da terra, nunca foi tão necessária. Contudo, com a lógica do capital imperando, nunca foi tão perigosa, fazendo de militantes ambientalistas e agrários um dos grupos mais vulneráveis dos defensores dos direitos humanos.”
Nesta regra, a taxa de desmatamento no Brasil aumentou 28% em 2013 (ano da alteração do Código Florestal). Sendo que 61% ocorreu em dois dos estados mais afetados por atos de violência contra ativistas: Pará (41%) e Mato Grosso do Sul (20%). Neste último, grande parte das mortes foi de índios das tribos Guarani e Kaiowa. Contraditoriamente, em terra de latifúndio e recordes de exportação de gado e soja, quem alimenta o país é a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros².
Alguns podem estar se perguntando por quê? A resposta é tão cruel quanto as mortes: nunca foi tão intensa a disputa por recursos naturais como nos dias de hoje, nunca o capitalismo foi tão degradante. Vivemos um uso de insumos contraditoriamente insustentável, com aval do Estado, reforçando uma “cultura endêmica de impunidade” – como diz o relatório. Às vezes me acho chata repetindo o mesmo discurso, o problema é que a maioria dos problemas ambientais e agrários são repetidamente de corresponsabilidade e/ou consentimento do Estado.
É tão triste quanto alarmante essa situação que vivemos, mas diante deste quadro hediondo é necessário continuarmos exigindo que o Estado garanta a proteção do ambiente e de quem luta por ele e que, acima de tudo, não nos calemos, na certeza de que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”³.
FONTES:
1. Global Witness. Deadly Environment report. Disponível em: http://www.globalwitness.org/deadlyenvironment/#report 2. Portal Brasil. Agricultura familiar produz 70% de alimentos do País mas ainda sofre na comercialização. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario 3. João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas (1956).